domingo, 31 de maio de 2020

CRONICA PARA (NOSSOS) NOVOS DIAS



                          https://olhardigital.com.br/coronavirus/noticia/covid-19-brasil-tem-mais-de-20-mil-obitos-foram-1-188-mortes-em-24h/98089



 Caiu a tarde feito um viaduto. E de repente ficamos no meio de escombros. Pesando sobre nossos corpos e sentidos a sombra de incerteza. São outros tempos, em virtude dele, o tempo, hoje não há futebol. Apenas reprises de vitórias passadas. O que se vai fazer, à tarde sem lazer, uma noite tão fria. Ficamos à espera dos sóis e das cálidas luas cheias. Será que um dia se realinhará as órbitas dos planetas? Que notícia me dão dos amigos, que notícia me dão de você? Só sei que nada será como antes.

           Estamos no olho do furacão. O início, o fim e o meio da mesma estrada da vida. Dividindo a mesma dor na mesma praça de guerra.  E quem são os guerreiros? São pessoas. São fortes. São frágeis. Guerreiros são meninos, no fundo do peito. Mas sei também, que mesmo que caiam reis do ouro, reis de prata, a guerra é mais feia nas ruas e vielas. Pois o morro não tem vez, o que ele fez, já foi demais. Mas é de lá que vem a ciranda da esperança. Como se fora brincadeira de roda. Jogo do trabalho na dança das mãos. O suor dos corpos na canção da vida. O suor da vida. No calor de irmãos.

            Diante de tudo isso, deixa eu te contar uma velha-novidade: o mundo é um moinho, roda como uma roda gigante, como um pião. E se um dia você se lamentou de não olhar nos olhos, agora não tem mais jeito. Todos usamos máscaras. Para alguns, ainda a máscara de orgulho, hipocrisia, vaidade. Mas como diz a velha sambista, são três coisas que em menos de um segundo “se desfaz”.

             É na hora do perrengue se aprende. Criar um web site, fazer minha home-page. Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje? Ou você pode criar um novo hábito, como o da leitura, por exemplo. Ou escrever poesia.

             E já que você, meu caro rapaz latino americano, reaprendeu conversar. Que tal fazer de cada aceno, um carinho. De cada máscara, um sorriso. De cada cotovelada, um abraço. O afeto não tem fronteiras: você já leu nas redes sociais “meu beijo veio de Quixeramobim, onde ele alcançou”? Maracatus cariocas? Jongos porto-alegrenses?

             Como de outras vezes, isso tudo vai passar. Amigo, sei que é difícil, mas pra frente é se anda. Sacode a poeira, dá a volta por cima! Pois você sabe, e eu também sei, que nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia. Por isso, nunca aprendi dizer adeus para as coisas boas da vida. E a vida, eu sei, e você também sabe é bonita, é bonita e é bonita.


sábado, 12 de janeiro de 2019

O NOME DELA É JENNIFER

   

Em 1968 o programa 'Divino, Maravilhoso' invadia as televisões brasileiras com a explosão da Tropicália. Num canto à esquerda do palco, uma placa já conclamava 'Aqui jaz o tropicalismo'. Décadas depois, no nosso século XXI, internautas criam na rede a pós-pós moderníssima  'Vaporwave' que são coletivos de música eletrônica retro-futurista. Um de seus 'memes' conhecidos - 'morte ao vaporwave', anunciava sua vocação nati-morta assim como seu vigor nos limites da criatividade audiovisual. 

Assim são os movimentos nas andanças do mundo pop, da música de massa. São pílulas 'bold' de consumo sazonal. É diversão e entretenimento com tempo de vida. Mas um destes produtos culturais se destacam na lógica do pop fugaz - os Hits de Verão. Sempre alvo da peleja dos gostos, surgem todo ano nos idos de dezembro para ancorar de vez no carnaval.

          O canal do youtube Mimimídias fez uma excelente reflexão sobre a gênese e a morte dos hits de verão. No Brasil já tivemos marchinhas, sambas-enredo, axé, forró, brega, funk, pagode...numa esteira de imprevisibilidade que apenas segue algumas determinadas regras: um fiapo de letra, ritmo repetitivo e uma lascívia no tema e na coreografia e, é claro, aquele refrão chiclete. E por que o hit de verão te pega na esquina?A resposta é difícil e está longe de um consenso. Mas acredito que está diretamente ligada ao nosso estilo de vida, digo das pessoas comuns e trabalhadoras que se entopem nos metrôs, trens e brts. Nós que ralamos pra sobreviver às contas, às violências, aos preconceitos, às políticas públicas equivocadas...precisamos de catarse, de um grito primal e instintivo. A sacanagem coreografada, as traições, os choros melosos da dor de cotovelo, o ode a mulher/ homem amados, as relações privadas, os pecadilhos passageiros...É deste caldeirão de secreções mentais e corporais é que nascem os hits de verão. 

         Grande parte dos hits são transas passageiras, corações rasgados e dancinhas de triplo sentido como 'Carrinho de Mão', 'Se ela dança, eu danço', 'Dança do Créu', 'Liga da Justiça', 'Ai se eu te pego', 'Metralhadora' e 'Deu onda', usando aqui a lista do Mimimídias.  O pop brasileiro nasce das nossas tristezas, das nossas mazelas. Eu não sei como seria um hit de verão inspirado no cotidiano finlandês, por exemplo. Por certo, nenhuma destas músicas vai piorar seu padrão vida, não vai te fazer mais rico ou mais pobre ou irá causar um grande chacoalhar social, político e econômico. Hits de verão não são responsáveis pela miséria dos costumes e, por mais que  tenhamos (um dia..) um governo ultraconservador, os hits de verão vão continuar existindo pois eles navegam na ordem da catarse popular, na ordem do impalpável. Eles vão surgir do nada. Na boca de um rapaz ou de uma rapariga que nunca ouvimos falar. E este ilustre desconhecido/a não deve ser tratado como uma arma de propaganda subliminar iluminatti para destruir a cristã família brasileira. Isso já fazemos no dia-a-dia mesmo.


E assim, como os calhambeques, barquinhos e tardes de domingo no parque, as coisas passam..e passam. Mc Leozinho, Mc Créu, Mc Taqui Zaqui, Leva Nóis, Mc G15 foram relâmpagos cujos nomes são menos conhecidos do que seu hits passageiros, mas que você deve ter dançado naquela festa da firma, num churrasco ou num 15 anos qualquer. Vez em quando surgem aqui e ali no pendrive de um DJ saudosista, não mesmo!?. Olha a onda...olha onda...clap...clap... Sabe aquela letra 'nada a ver', beirando o ridículo, que passou como trilha sonora do carro do ovo na sua rua e ficou socando no seu cérebro te oferecendo um cantarolar instantâneo ou uma crise existencial? Pois é, nem tudo é Ivete nas nossas vidas. Então, não adianta odiar os hits de verão. Não adianta recalque. Pois eles são como camisa de força; quanto mais você se debate mais te sufocam. 

         Então quando você ouvir passar um bloco carnavalesco ou for naquele churrasquinho da galera, não torça o nariz para 'Jennifer'. Relaxa...Ela não é sua música predileta, mas poderia ser...pelo menos naquele micro momento do verão de 2019.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

ESPELHO DA ALMA


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 Dizem que os olhos são espelhos da alma
mas sua alma não é dada a se revelar
também sei que não há espelhos nesse mundo
que esses olhos profundos possam decifrar

Na escola de samba vai em mil sorrisos
tão alegres e precisos/ parece até que mira em cada um

Mas será que essa alegria vai pra casa
quando a solidão seu peito abraça
num copo de café a meia luz
Deixa, dentre esses moços no terreiro
que eu seja de uma vez seu companheiro
e espelho que te ama e te traduz








domingo, 29 de julho de 2018

O CULTO - FICÇÃO INDIE SOBRE O PREÇO DAS PRÓPRIAS ESCOLHAS.


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O CULTO - THE ENDLESS -  é um daqueles filmes de difícil classificação, assim como de difícil degustação. Tem proposta de ficção científica, terror fantástico, suspense, humor negro e drama familiar, nos oferecendo mais perguntas do que respostas. Então se você gosta de roteiros mais didáticos e explicadinhos - e não há nenhum mal nisso - O CULTO, não é o seu lugar.

Os diretores são Justin Benson e Aaron Moorhead que também produzem, roteirizam e protagonizam o filme. Assim repetindo o mesmo êxito -'baixo orçamento + criatividade' dos filmes SPRING, de 2016 e RESOLUTION, de 2014, também assinados pela dupla.

Vamos à trama. Dois irmãos entediados e frustados com seu cotidiano resolvem voltar à comunidade sinistra que fugiram quando eram mais jovens. Depois de um entediante dia de trabalho, encontram na soleira da porta um pacote com uma fita vhs do tal culto. As imagens familiares despertam no irmão mais novo a vontade de se reconectar com o passado, já nebuloso em sua memória. Apesar da relutância do irmão mais velho, resolvem fazer as malas. Melhor o risco da aventura do que uma vida sem amigos, sem garotas e um emprego medíocre.

Ao partirem para estrada com um carro alienado, pouco combustível e com uma bateria pra lá de vencida, antes de chegar a tal comunidade, uma conversa já revela a figura do irmão super protetor que faz de tudo para proteger o ingênuo caçula. E esta questão moral-familiar, além das querelas com o sobrenatural, irá permear todo o roteiro. Muitas vezes iremos nos perguntar se as cenas explícitas de 'terror' querem nos mostrar as questões reais da obra ou se estas questões estão nas bordas, nos limites, fora do campo de visão; assim como um truque de ilusionismo.

A tal seita os recebe de forma calorosa - comida fresca, sorrisos e alojamento confortável. Apesar das coisas já parecerem estranhas - uma coreografia de pássaros sem sentido, estacas fincadas no chão sem motivo aparente e um hostess com o sorriso super sinistro -, complicam ainda mais quando as certezas do irmão mais velho são colocadas em cheque. Será que estes caras do culto só querem uma vida tranquila e comunal e tudo não passou de um mal entendido? Não é melhor ficar na seita de boas do que ser mais um looser na cidade grande? Atiçando os conflitos se destacam Tate Ellington, como Hal, o 'líder' do grupo e Callie Hernandez como Anna. Ambos costurando ardis precisos para cada um dos protagonistas. São conduções sutis de interpretação - uma expressão de canto-de-olho, um sorriso dúbio ou um toque de dedos.

Bom, não é spoiler revelar que coisa vai ficando preta e o acampamento tem muito mais do que karaokê na madrugada, joguinhos em volta da fogueira e cerveja artesanal. Aos poucos a trama nos coloca num labirinto estilo 'cube scape', fissuras espaço-temporais e dilemas tão complexos quanto o eterno retorno de Nietzsche. 

O CULTO, faz parte daquela galeria de filmes do tipo A CHEGADA e DONNIE DARKO que não saem da sua cabeça no subir dos créditos. É entretenimento indie, de baixo orçamento, mas incrivelmente inventivo e reflexivo. Tão divertido quanto cabeçudo.

sábado, 14 de julho de 2018

Samantha! Não é mais uma produção sobre os anos 80.

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Parece que a onda oitentista ainda não passou. E a tal década perdida é pano de fundo (de novo...) para a mais recente produção nacional da Netflix: Samantha! Comédia rasgada dirigida por Luis Pinheiro e Julia Jordão, ambos com experiência na tv fechada e com o mercado publicitário. Alice Bragaestrelada em produções brasileiras (Cidade de Deus) e no exterior (Ensaio Sobre a Cegueira, Cabana, entre outros), encabeça a produção 
Emmanuelle Araújo é Samantha! (com ‘!’). Uma atriz que faz de tudo para resgatar fama dos tempos de estrela infantil quando era o rostinho principal da Turma do Balão Mág....ops... da Turminha Plimplom. A série apresenta sem filtro sua trajetória: da criança psicopata no auge da carreira à sua maturidade como celebridade esquecida com dois filhos pra criar. 

                                                

Emmauelle está ótima, engraçada e super à vontade neste terreno já desbravado com sua Gretchen  em Bingo: O Rei das Manhãs (2017, Daniel Resende). Samantha tem camadas inescrupulosas quando corre atrás de seus objetivos, como também mostra afeto no seu núcleo familiar. Aliás, elenco todo é uma excelente surpresa e entregam personagem hilários, absurdos e por vezes tocantes. Daniel Furlan (Marcinho), como o empresário fuçador de oportunidades; Douglas Silva (Dodói), o par amoroso em busca do seu lugar no mundo como pai e ex-celebridade do futebol, e as crianças Sandra Nonata e Cauã Gonçalves, como os irmãos Cindy e Brandon, que são a cara da Geração Z. Destaque de luxo para Ary França como Zé Cigarrinho, cuja estória pessoal conduz os destinos dos personagens até o final da temporada.  
                                     
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Destila-se toda nossa perspectiva debochada dos anos 80merchan politicamente incorreto, a sensualidade peculiar da época e as deliciosas lendas urbanas: facas escondidas em brinquedos, obscuras mensagens subliminares e uma tal perna mecânica que ninguém viu, mas todo mundo já ouviu falar. Partindo dos ’80, a série é contemporânea e tem um repertório de piadas que estão aí neste mundo-líquido-de-meu-deus: os realities como depositório de ex-celebridades, o falso engajamento ideológico dos youtubers famintos por likeseaster-eggs aos montes (tem um político muito bom na cena do banheiro da boate) e uma inteligente sacada entre a cegueira dos fãs analógicos e digitais. 
Apesar de algumas derrapadas pontuais nos diálogos, o ritmo de sitcom e a edição assertiva faz com que não você largue destes doidos varridos até o último capítulo. É verdade. Vi numa só tacada. Morri de rir. Ainda que com humor ácido é uma série quentinha para nossas férias de inverno. É humor brazuca para os brazucas. Minha filha de 15 anos soltou o seguinte petardo ao final da maratona: “É uma série hilária que te abraça”. Então, Ponto para Netflix!