segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cópia Fiel


         A narrativa linear num recorte da vida e o jogo que se pode propor neste fragmento é a proposta mais significativa de Cópia Fiel de Abbas Kiarostami de 2010. Assim como um poema, o filme não pretende reduzir-se à sua forma e sim às consequencias interpretativas. Assim como discute-se o original e o simulacro, discute-se a representação dos papéis que nos impomos e se, de alguma forma, podemos reinterpretá-los.
       
        Sendo lúdicos ou teatrais o casal Professor James Milles (o cantor barítono William Shimell) e a dona de uma galeria de arte Elle (Juliette Binoche, de Cache, Chocolate, A Fraternidade é Vermelha, dentre outros) enreda-se em diálogos/cenários onde a mesa de um restaurante, uma praça, o interior de um carro, são cenários para construção de uma intimidade/identidade. Uma intimidade desenhada à lápis por Kiarostami que pode ser apagada e realinhada num processo tão natural que a linearidade espaço-temporal pode ser tanto um caminho sinalizado como um atalho obscuro. Uma intimidade falada em três linguas inglês, francês e italiano. Uma intimidade posta à prova na memória real e na memória pinçada. Uma versão de amor de um amor original que pode ou não ter existido. A beleza está no aqui-agora da simulação. Juliette Binoche levou o prêmio de Melhor Atriz em Cannes, 2010. Bellisimo!

FÓRMULA

Fragmentos de sentidos nus - poema
Gema de raro esplendor   - tema
Gênio de um argumento - ela
         Momento de abdução - instinto

Minto que sei sobre as coisas da vida
e acredito na vida livre
Das amarras da razão que um dia parti
calabouço de sonho que um dia saí

Não sei se a temperança
é uma dança que aceita par
Não sei se a libra balança
justiça de um mesmo lugar

Mas sei que viver é busca
d’alma rebrilhando seu afã
como uma poesia morta
ressuscitando na manhã.

(Escrito originalmente em 08/09/99) 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Tem Gente



Tem gente pra caralho no mundo - eu sei!
tem gente pra caralho no mundo - neguei!
tem gente pra caralho no mundo - peguei!
tem gente pra caralho no mundo - postei!

Cidade cabe na palma da mão
Cidade cabe na palma da mão
Cidade cabe na palma da mão

Tem gente que come terra
Tem gente que bebe mijo
Tem gente que come merda
Tem gente que come detrito

Tem gente pra caralho no mundo!

terça-feira, 10 de maio de 2011

Cansei...


Nesta madrugada - obturados gases asfásticos
Nesta madrugada - néons absolutos e obsoletos
Nesta madrugada - boates subterrâneas

Com a cocaína mais barata - piratas, aventureiros, amadores
Com a cocaína mais barata - abadás desfilam na Lapa.

Nesta madrugada - um corte profundo na garganta
                              sangrei, mas não o suficiente
                              não gravei, nem postei no facebook
                              foi rápido demais
a festa acabou?

'Cause I'm just a soul whose intentions are good
Oh, Lord, please don't let me be misunderstood

sábado, 7 de maio de 2011

O REI MORREU

Mort de Napoléon Ier à Sainte-Hélène - Carl von Steuben


O rei morreu
O povo sofreu
Nunca houve estadista como aquele
E desapareceu
O luto comoveu
O reino está acéfalo sem ele
Suas pontes, seus canais
Aquedutos colossais
As ruas estão mais limpas
Nossos ramos tem flores
Nossas praças coloridas, mais amores

O rei morreu
O mundo sucedeu
Quem vai consolar as nossas dores
Quem prometer mais moradias
Quem vai pagar melhor os professores
Quem vai construir mais hospitais e evoluir
Nosso país à condição dos vencedores...

O rei morreu
Tudo desapareceu
Suas promessas de dias frutuosos
Seu discurso era tão lindo
Os seus ternos luxuosos
Seus brazões cegavam bem os nossos olhos

Nosso esgoto está mais preto
Nosso povo tem mais fome
Sem nem do discurso vive o pobre
Vai morrendo em sua terra sem nome
Na desesperança agora mais podre
Agora sem luz, agora sem o brilho da torre
Chafurdaremos todos em nossa miséria
Que antes era mais bela - até poética
E agora a pátria cética - chora estérica
O rei morreu! O rei morreu!