sábado, 23 de abril de 2011

Não tenho graça


Eu gostaria de ser engraçado
Como um mímico bêbado
Como um símio cínico
Como um clínico de seriado de TV

Queria o sorriso idiota de Jerry Lewis
Tirar meleca como Andy Kaufman
Beber coffee como Sienfeld

Mas não sou engraçado
Não sou humorista
Não sei imitar Silvio nem o Fausto
Não tenho cara mole de artista

Não sei contar piada
Só sei andar na pista
Não sei a do papagaio,
nem a do viado, nem a do turista

Sou sério como ferro de carvão
Como pressão de mata borrão
Como nó de gravata inglês
Como um poeta suicida japonês

Talvez porque só saiba imitar a mim mesmo
Mesmo assim, ainda com uma certa dificuldade...

Pichei no Moderno




O modernismo é uma arquitetura com hérnia
Eu pichei a parte concreta que sobrava
Linda: a mão pagã com chaga cristã
Uma nave espacial que todomundo herda
Que ninguém ousaria a achar uma merda
Diante do documento monumento
Pichei - uma palavra irreconhecível
E admirei - achei muito bonito
uma languidez nua na ciclovia
Pichei com gordas cores - pouco pastel
muito tinto.
 - achei muito moderno.
 - achei muito bonito.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Agora um descanso...


Tudo que eu mais queria na vida
Era uma casa, um jardim e um deus
Para ter teto, para ter trabalho, para orar

Para me proteger da chuva,
Para plantar alguma rara flor,
Para ter benção

Tudo o que eu mais queria
Responder ao sorriso do outro
Meter a mão na terra
E ter a segurança de ser ouvido

Tudo o que eu mais queria
Desempoeirar um vinil
Molhar as verdes folhas
E ter certeza, na incerteza da fé.

Amigos, alguma beleza, um céu.

Fim.

sábado, 9 de abril de 2011

A Transparência do Mal


"(...)quem é o culpado, o inimigo, o judas a ser malhado em praça pública? Em quem vamos mirar nossos dedos em riste, estampar em cartazes raivosos, pedir justiça, prisão, pena de morte? O circo midiático está capenga em seu elenco: temos as vítimas, o herói; mas onde está o vilão vivo?"


Ler o artigo: "A Transparência do Mal" em "Ensaios e Críticas de Cinema"


segunda-feira, 4 de abril de 2011

LOBÃO TEM RAZÃO!

Eu poderia postar qualquer música, clipe ou qualquer outra coisa do Lobão. Inclusive atendendo à pedidos da minha meia dúzia de leitores. Entretanto, esta entrevista do Lobão ao Transa Louca, na rádio Transamérica em 23/12/2010 é o substrato vibrante, nervoso e autoral do contemporâneo rock e pop no Brasil. O registro é pessimista, ácido e emblemático. Apenas um trecho dos Ramones que compacta muito bem este depoimento de Mr. Lobão: "Do you remember lying in bed/ With your covers pulled up over your head?/ Radio playin' so no one can see/ We need change, we need it fast/ Before rock's just part of the past/ 'Cause lately it all sounds the same to me". *






(*) Versos da música Do you remember Rock 'n Roll Radio? faixa N° 1 do álbum End of the Century. Não é um dos melhores, mas vale o registro.

domingo, 3 de abril de 2011

Velocidade/ Eletricidade/ Felicidade


VELOCIDADE

Quando corro até sentir falta de algum sinal vermelho
É porque estas coisas de pensar, sentir e refletir
Se tornam tão fugazes que pisco e já obsolescência


ELETRICIDADE

Qual será sua aparência vista pelo meu enfoque/
pelo meu movimento?
Acontecimentos todos eles por atrito ou indução/
te acompanho?
Sangue, coração - tua usina me alimenta - kilowatts
na língua?
Sem certezas é tão mais excitante - olho o chão
e só vejo estrelas.


FELICIDADE

Ter o outro para se amar, fazer crônicas, beijar a boca
       [sentir a pele
Ter o outro para cuspir, fazer críticas, atazanar o juízo
       [apaixonar-se
Ter o outro para sorver, expelir, verdadeiramente
Nossos escândalos, nossos frêmitos, nossos ângulos
Confundir-se em sonhos oxigênios, sonhos carbônicos
Na alquimia do outro
No paradoxo do espelho
No além do próprio pêlo
No além do próprio corpo.


Contexto: Trilogia publicada por mim no site Nave da Palavra em 04/09/2002. Aqui, com modificações em "Felicidade".

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Jupiter Maçã: Um Cara Duca!!!


    

  Confesso que a primeira vez que eu escutei o álbum "Um tarde na Fruteira" fiquei impressionadíssimo. Até aí nada de mais, eu e todo mundo . Pulei logo para o antecessor do antecessor a "7° Enfervecência" (onde habita "Um Lugar do Caralho") e depois de alguma pesquisa fui desvelar que o Júpiter Maçã era o Flávio "punhetinha de verão" dos Cascavelletes. Fiquei fã do pseudônimo antes de conhecer o artista. Mas quem é Flavio Basso mesmo, hein? Este cara de Porto Alegre já assumiu tantos heteronômios e já pincelou de tantas formas o seu som que a representação superou a essência. Jupiter é assim: psico, MOD, hard-rocker, tropicalista, neo-beatnik...No "Calling All Bands" acima, single deste ano do ainda não-batizado "Undergroud Years", o artista "plastifica" sua imagem e propõe-se mais-que-som em takes walholianos. Pós-Moderno? Underground? Nem me arriscaria com um rótulo. Leiam a última entrevista do Apple  já postada e respostada nos websites da vida: http://www.rockgaucho.com.br/noticias/jupiter-maca-resenha-do-show-em-bage.html

Contexto: "Calling All Bands", 2°single de um projeto ainda não batizado pelo artista.

CAETANO UP TO DATE!


A capacidade de auto-revitalização de Caetano Veloso e a necessidade intrínseca de estar sempre na crista da onda nos proporcia produtos musicais perolados. O rock n' roll do artista não é novidade...para quem pensa que a coisa é branda escute "De Cara/ Eu quero esta mulher" do experimental Araçá Azul lançado pela Polygram em 1972. No album Cê (antecessor de Zii e zie, 2009) a banda homônima é formada pelos amigos de seu filho mais velho onde, no disco, imprime-se o diálogo e não a veneração. O próprio processo de escolha das faixas foi realizado com ajuda dos fãs em um hotsite do ainda projeto em 2005. A roupagem indie reveste de força e distorção a poesia não menos avassaladora de Caetano. O rock de Caetano foi desafiador e inédito nos anos 70, agora, sem obrigatoriedade do escândalo estético, é empolgante e festivo. Rock nacional? Não. Isto ele deixa para os roqueiros. É mais um trecho sonoro na estrada do velho Veloso.

Contexto: Música "Rocks" N°3 do álbum "Cê". (Universal,2006). Já o clipe faz parte do DVD "Cê ao Vivo" (Universal, 2007).

COISAS MAL RESOLVIDAS


Existem vários casos mal resolvidos
E crimes insolúveis
Várias cartas não respondidas
Telefonemas mal explicados
Mal entendidos absurdos
Recados de terceiros
Cobradores em sua porta
Telemarketing de agências de cobrança
Ervas daninhas em sua horta
Amizades coloridas
Quereres sem cor
Desejos por instinto
Paixões assentadas em túmulos expostos
Livros largados pela metade
Verdades sem pudor
Argumentos não assimilados
Ressacas persistentes, granidos de dentes
Falta de juízo,
falta de siso
ausência destes
Sujeiras embaixo do tapete
Pó na pia do banheiro
Visitas não desejadas
Revistas pornográficas na sala de estar
Comidas sem tempero, sem sal
mal hálito
Olhares de canto-de-olho
Desconfianças, alianças por interesse e sem interesse
Filmes que acabem antes das fotos
Fotos queimadas na revelação
Coisas perdidas
Achados inesperados
Feridas que coçam
Decepções, esperanças, crenças, desilusões
Mandingas, macumbas, rezas, orações
Aflições, utopias, sugestões
Discriminação, preconceitos, raiva
Desrespeitos, desculpas, desculpas
Fodas mal dadas, gozos interrompidos,
Ejaculações precoces
Beijos quadrados
sem tesão
Vidas perdidas, vidas cruzadas
vidas públicas, vidas privadas
vidas rivais, reencontros
no tempo, espaço...
Dúvidas que aceleram cardicamente
o que está iminente, passível, possível
Se resolvendo num século ou num desatino
Suspense, non-sense, susto, trilha dos sentidos
Destino?.., destino..., destino..., destino...,
destino..., destino...


Contexto: Publicado por mim em 30/08/2002 no site literário Nave da Palavra.