A Transparência do Mal




             Rio de Janeiro, sete de Abril de 2011. Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos, entra na Escola Municipal Tasso da Silveira na zona oeste do Rio de Janeiro e atira impiedosamente nos alunos. Armado com duas pistolas, uma calibre 38 e outra 32, disparou não menos que 100 projéteis em duas salas de aula. As vítimas: crianças de 12 a 14 anos e, em sua maioria, meninas. Antes de fugir, Wellington é morto por um policial.
            Certamente vamos ouvir esta tragédia ecoar no universo midiático por um longo tempo. Luto, consternação pública, pedidos de paz. O muro da escola anoitecendo com cruzes brancas e mórbidas velas e amanhecendo com vasos de flores, bilhetes trêmulos e objetos infantis. O que as mídias oficiais não mostram é publicado nos blogs e postado e vídeos no Youtube. O corre-corre dos sobreviventes ensangüentados, os gritos de dor dos agonizantes, os corpos carregados improvisadamente por anônimos solidários. Depoimentos nervosos, choros salpicados de soluços em vídeos de má qualidade.
O que causa mais estranheza e uma espécie de labirintite coletiva é justamente a ausência de um culpado vivo, uma instituição incompetente ou, pelo menos, um cúmplice surpresa. A escola municipal era referência no bairro de Realengo, com uma estrutura diferenciada e circuito interno de câmeras de segurança. A polícia, de forma rápida e eficiente - agora na figura heróica do Sargento Márcio Alexandre Alves - fez o papel que lhe cabe. O governo, inerte em um cenário do imprevisível, fez-se presente nas figuras do prefeito, do governador, do secretário de segurança e de um ministro. Na medida do possível, as autoridades oferecem apoio psicológico aos familiares e profissionais envolvidos. Então, quem é o culpado, o inimigo, o judas a ser malhado em praça pública? Em quem vamos mirar nossos dedos em riste, estampar em cartazes raivosos, pedir justiça, prisão, pena de morte? O circo midiático está capenga em seu elenco: temos as vítimas, o herói; mas onde está o vilão vivo?
Psicólogos, psiquiatras, teólogos e professores; um menu de especialistas exercitará o entendimento da lógica do processo e tentará dar sentido e racionalizar o evento nos inúmeros jornais dos canais televisivos. Um problema: como racionalizar e dar sentido para uma tragédia impresivível e dotada de uma secura temporal surpreendente: um princípio-meio-e-fim sem desenrolamentos sociais e jurídicos. Sem um fratricídio, sem uma madrasta má. Estamos sob uma nova espécie de violência: o terrorismo. Anônimo e suicida.
Podemos traçar de forma especulativa uma motivação de caráter sociológico. Um indivíduo adulto crescendo sob o trauma da rejeição. Feio, fora dos padrões, voltou-se para os estudos como forma de fuga. Levava "toco" das meninas da escola. Podia até ser romântico, mas era incompreendido. Em sociedade onde se é o que se consome e  o prestígio e reconhecimento público, mesmo que limitado ao ciclo do bairro, é um emblema de vitorioso; o jovem não se encaixava em tribos, sentia-se um derrotado em potencial. Sem amigos, sem garotas, sem aquela fama miserável dos elogios que recebe um cara que sabe dançar, que rima improvisado no recreio e faz piadas sobre os professores, a solidão era sua melhor amiga. Mais tarde a internet. A carta deixada por Wellington é mais emblemática do que as versões sobre sua morte: defesa própria do sargento da PM ou suicídio. O jovem sabia que ia morrer e desejava a fama póstuma. A fama que nunca teve em vida. A fama já denunciada pelos círculos acadêmicos e pela pop - art.
Pergunta-se a sociedade: será uma exceção? Ele servirá de exemplo para novos atentados? Teremos uma onda de massacres na cidade? Dentre as reflexões de pais, diretores de escola e do corpo estudantil a mais profunda é: Estamos realmente seguros?
Agora o mal pode vir de qualquer parte, qualquer lugar. Em uma página do site Orkut, atribuída a Wellington, um post faz referência ao massacre de Columbine, no EUA em 1999. Na época, as mesmas perguntas foram feitas, o mesmo circo midiático foi montado. Seria a seqüela de um ultra desenvolvimento? Num país onde a violência tinha, até então, cara, local e vítimas escancaradas, o Brasil pode estar entrando para o primeiro mundo; mas pela porta dos fundos.