sábado, 12 de janeiro de 2019

O NOME DELA É JENNIFER

   

Em 1968 o programa 'Divino, Maravilhoso' invadia as televisões brasileiras com a explosão da Tropicália. Num canto à esquerda do palco, uma placa já conclamava 'Aqui jaz o tropicalismo'. Décadas depois, no nosso século XXI, internautas criam na rede a pós-pós moderníssima  'Vaporwave' que são coletivos de música eletrônica retro-futurista. Um de seus 'memes' conhecidos - 'morte ao vaporwave', anunciava sua vocação nati-morta assim como seu vigor nos limites da criatividade audiovisual. 

Assim são os movimentos nas andanças do mundo pop, da música de massa. São pílulas 'bold' de consumo sazonal. É diversão e entretenimento com tempo de vida. Mas um destes produtos culturais se destacam na lógica do pop fugaz - os Hits de Verão. Sempre alvo da peleja dos gostos, surgem todo ano nos idos de dezembro para ancorar de vez no carnaval.

          O canal do youtube Mimimídias fez uma excelente reflexão sobre a gênese e a morte dos hits de verão. No Brasil já tivemos marchinhas, sambas-enredo, axé, forró, brega, funk, pagode...numa esteira de imprevisibilidade que apenas segue algumas determinadas regras: um fiapo de letra, ritmo repetitivo e uma lascívia no tema e na coreografia e, é claro, aquele refrão chiclete. E por que o hit de verão te pega na esquina?A resposta é difícil e está longe de um consenso. Mas acredito que está diretamente ligada ao nosso estilo de vida, digo das pessoas comuns e trabalhadoras que se entopem nos metrôs, trens e brts. Nós que ralamos pra sobreviver às contas, às violências, aos preconceitos, às políticas públicas equivocadas...precisamos de catarse, de um grito primal e instintivo. A sacanagem coreografada, as traições, os choros melosos da dor de cotovelo, o ode a mulher/ homem amados, as relações privadas, os pecadilhos passageiros...É deste caldeirão de secreções mentais e corporais é que nascem os hits de verão. 

         Grande parte dos hits são transas passageiras, corações rasgados e dancinhas de triplo sentido como 'Carrinho de Mão', 'Se ela dança, eu danço', 'Dança do Créu', 'Liga da Justiça', 'Ai se eu te pego', 'Metralhadora' e 'Deu onda', usando aqui a lista do Mimimídias.  O pop brasileiro nasce das nossas tristezas, das nossas mazelas. Eu não sei como seria um hit de verão inspirado no cotidiano finlandês, por exemplo. Por certo, nenhuma destas músicas vai piorar seu padrão vida, não vai te fazer mais rico ou mais pobre ou irá causar um grande chacoalhar social, político e econômico. Hits de verão não são responsáveis pela miséria dos costumes e, por mais que  tenhamos (um dia..) um governo ultraconservador, os hits de verão vão continuar existindo pois eles navegam na ordem da catarse popular, na ordem do impalpável. Eles vão surgir do nada. Na boca de um rapaz ou de uma rapariga que nunca ouvimos falar. E este ilustre desconhecido/a não deve ser tratado como uma arma de propaganda subliminar iluminatti para destruir a cristã família brasileira. Isso já fazemos no dia-a-dia mesmo.


E assim, como os calhambeques, barquinhos e tardes de domingo no parque, as coisas passam..e passam. Mc Leozinho, Mc Créu, Mc Taqui Zaqui, Leva Nóis, Mc G15 foram relâmpagos cujos nomes são menos conhecidos do que seu hits passageiros, mas que você deve ter dançado naquela festa da firma, num churrasco ou num 15 anos qualquer. Vez em quando surgem aqui e ali no pendrive de um DJ saudosista, não mesmo!?. Olha a onda...olha onda...clap...clap... Sabe aquela letra 'nada a ver', beirando o ridículo, que passou como trilha sonora do carro do ovo na sua rua e ficou socando no seu cérebro te oferecendo um cantarolar instantâneo ou uma crise existencial? Pois é, nem tudo é Ivete nas nossas vidas. Então, não adianta odiar os hits de verão. Não adianta recalque. Pois eles são como camisa de força; quanto mais você se debate mais te sufocam. 

         Então quando você ouvir passar um bloco carnavalesco ou for naquele churrasquinho da galera, não torça o nariz para 'Jennifer'. Relaxa...Ela não é sua música predileta, mas poderia ser...pelo menos naquele micro momento do verão de 2019.