Tron: O Legado

O Legado: Ser apenas uma parte 2

Nas primeiras cenas de Tron: O Legado (2010 – Joe Kosinsk), o protagonista Sam Flynn (Garrett Hedlund)  manobra um grande golpe na multinacional high tech ENCOM: transformar o lançamento de um sistema operacional de última geração e de potencial lucratividade em um freeware (aplicativo gratuito) para população do mundo inteiro. O plano é bem sucedido. Após uma manobra a lá Ethan Hunt de Missão Impossível, os diretores da empresa assistem, atônitos, o programa vazar em toda internet.  Um Robin Hood virtual? Um Che Guevara na rede? Em tempos em que a Google está prestes a lançar um sistema operacional gratuito fazendo tremer a bases da Microsoft, o filme de Joe Kosinsk começa perspicaz, contemporâneo e dialético. Mas não esperem que uma produção da Disney vá além disso pois, entretenimento é entretenimento. Não é um filme cabeça, não discute profundamente os rumos da realidade virtual e nem chega a fazer babar os nerds plantão.
          A continuação da saga do programador Kevin Flynn, interpretado por Jeff  Bridges, ganha mais velocidade, mas perde o ritmo com diálogos pseudo-filosóficos. O trabalho estético em art-decó ultramoderno é de uma riqueza arrebatadora, permite-se a algumas sinuosidades que não encontramos no primeiro filme.  Ao “grid”, cenário das disputas entre as motos de combate, foram acrescentadas camadas e relevos onde a câmera nos dá uma percepção multiangular da peleja virtual. Mas ao ultrapassar os limites da cidade, o roteiro não aproveita o cenário vasto e infinito que ele mesmo propõe e, aí, o limite permissivo do corte vale mais que a ousadia.
          Em alguns momentos  Kevin Flynn tem um Q do paranormal/ mestre jedi  Bill Django de “Os Homens que Encaravam Cabras” (The Man who stare at goats – 2009 – Grant Heslov) com aquele papo guru zen e jeitão epicurista.  O filho, Sam Flynn, é a antítese disto: é um irresponsável Luke Skywalker que desafia a sabedoria vigente e implanta um “vamos à luta companheiro” para desestabilizar a ordem vigente e combater mal. Aliás, a reverência à Guerra nas Estrelas é descaradamente revelada em um bom momento de piada, quando as motos são apresentadas ao protagonista. É engraçado.
          Kosinsk bebe nas fontes certas e os roteiristas Adam Horowitz e Edward Kitsis (dupla da série de tv “Lost”) salpicam o filme de referências que infelizmente não vestem os personagens de carisma e nem os envolvem numa trama que revolucionaria “a medicina, a matemática e religião”, nas palavras do Flynn pai. O destaque do filme é a direção de arte (Sean Haworth, Kevin Ishioka, Ben Procter, William Ladd Skinner e Grant Van Der Slagt), a concepção da cidade do jogo e a trilha sonora. E que trilha sonora! A habilidade dos franceses no Daft Punk que criar ambiências e ir além do trivial techpop junto com a orquestra regida pelo maestro Joseph Trapenese faz o expectador realmente submergir nos néons que iluminam o cenário noturno do filme.  O toque de bola entre a direção de arte e trilha sonora é de uma perfeição só antes vista com o Vangelis em “Blade Runner”. O figurino também é um ponto a mais, pois, apesar dos traços originais do primeiro Tron, valoriza-se a silhueta dos personagens, na sensualidade de Quorra (Olivia Wilde), por exemplo; e implementa-se uma áurea mística quando surgem luzes de dentro das mangas dos personagens.

          Em Avatar (2009 – James Cameron) a Fox deixou muito clara a sua proposta para público. Aqui, a Disney não soube o que fazer com o recurso 3D. As poucas cenas não valem à pena o ingresso mais caro. O problema é que todo o marketing do filme vende este recurso. Resultado: ninguém sabe qual a intensão real do filme. O “efeito” vira “defeito” e causa frustração no subir dos créditos.

          Tron: O Legado tem apelo natural aos saudosistas dos anos 80 e para uma juventude fascinada pela idéia high-tech. Um produto para Geração Z, pois especula até aonde poderemos chegar: numa geração de conectados que confundem o real com virtual, mas sem muitas reflexões sobre as implicações desta nova realidade.