quinta-feira, 21 de julho de 2011

ÔNIBUS AMARELO

http://classic-carsfortaleza.blogspot.com/2010/12/propagandas_23.html


– Oi, com licença...
– Sim?
– Quando vir o 974 o senhor faz sinal pra mim...
– Claro...
– É que mudaram as cores dos ônibus. Dá pra confundir
   com o 975... É um amarelinho agora, viu?!
– Sim.
– Rapaz, ô rapaz. Vai cair...
– Hã?
– O dinheiro do seu bolso...Sem querer esbarrei com a mão...
– Obrigado...Senhora
– Nada meu, filho...
– Tá cheiroso...arrumado...vai encontrar com a namorada, né?
– O quê...?
– Você tá muito jeitoso, viu?
– Obrigado... Olha vem seu ônibus. Tá longe ainda
   mas eu faço sinal pra senhora.
– Ah...obrigado...mas não é ele não.
– Ih...é mesmo...
– As freadas... O meu não freia assim não...
– Então tá!
– Dia bonito né...sol...tempo maluco...
   Nasceram umas florezinhas ali no asfalto, ó.
   Bonitinhas, né?
– É...
– São onze horas...
– Não, já devem ser quinze pro meio dia...
– Não, as florezinhas...Onze Horas...perfuminho bom...
   Braquinhas...lindas de ser ver. Tinha numa casa ondei morei. 
   Ficou bonito, né? Alguém deve ter plantado...
– É...
– O médico falou pra eu tomar sol todo dia...
   Bom pros ossos. Mas eu gosto mesmo é
   da beleza do dia...as pessoas na rua...o cheiro
   do dia...
– Ah...é...
*
*
– Xiii vai cair...
– O quê?

FILHO DA PUT....!!!
*

– Tropeçou feio, este moço. Escutei ele correndo...Tem um buraco alí na
   calçada. Já tropecei alí. Alí é batata!
   Não adianta que este ônibus não para aqui nem por um decreto.
   Só ali adiante... Ou se o sinal fechar...o sinal tava verde.
– Pois é... É mesmo!
– Sabia que eu tinha um filho da sua idade?
– Não...
– É claro...como é que você ia saber né?...Mania de velho...
   De puxar assunto, né, meu filho? Ele morreu...acidente
   de moto. Não se preocupe que não sou destas velhas que
   ficam puxando assunto no ponto de ônibus, viu?! (riu)
– Se incomode, não. (respondeu com sorriso)
– Ele gostava muito de saladinha...salada...
– É?
– Por falar nisso, as verduras alí tão bonitas não é?
– Onde?
– Na barraquinha...aqui do lado...eu também não tinha reparado, não. 
   Deve ser novo aqui no ponto.
– Nem eu tinha visto...
– Você é novinho...Só olha o que está na frente dos olhos...
   Olha só: chicória, bertalha, coentro, cheiro-verde, cebolinha,
   alface crespa...tá bem sortida. Tá um verde de ofuscar
   os olhos...ele acabou de borrifar nas verduras...Respingou
   aqui no meu braço. (sorriu)

– É mesmo...
– Fez um barulhinho irritante, né?  (imita um gatilho com o dedo)
*
*
*
*
– Ah! Olha lá! Meu ônibus...faz sinal, faz favor?
– Onde?
– Assim que abrir o sinal alí da esquina você vai ver.
   Tá meio escondido... atrás do 428.
– Não vi ainda...
– Já, já aparece. Chega tudo junto...o sino da igreja bateu faz
   uns cinco minutinhos. 
– Eu nem tinha escutado sino...
– Ninguém mais escuta barulho de sino, né?....
   Hoje o ônibus atrasou...tô com pressa.
   Vou visitar meu filho...
– (Deve ser um outro) – o rapaz pensou.
– Me deixa pegar a bengala aqui na bolsa...
– ?  (Foi espiar inclinando a cabeça)

A senhora pegou uma vareta que se esticou em forma de bengala.

– Todo dia 18 eu vou visitar meu filho...
– Ué? A senhora é ceg....!!!!!
– Meu filho tá esperando...onde ele mora é um lugar ruim de se ver.
– Ele mora longe?
– Faz favor...me ajuda a levantar e faz sinal pra mim...Ninguém
   respeita velho hoje em dia.
– Qual a rua que a senhora vai? Sabe soltar direitinho?
– Sei ...põe minha mão na barra da porta, faz favor...eles mudaram
   o modelo do ônibus...olha é esse amarelinho aí...ó!
– É ele mesmo! Olha fiz sinal e ele está parando pra senhora.
– Você tem os olhos do meu filho...
– O outro...
– Não...Era filho único....O que morreu...faz 15 anos...estou indo ao cemitério agora.
– Põe a mão aqui na barra da porta. Nossa! A senhora vê tudo, hein?
– Menos lá onde está meu filho. Lá eu não consigo ver nada; só escuridão.
   Só escuridão...A saudade é preta sabe? Tem cor de nada...
   Cor de nada. Mas obrigado. Muito obrigado, meu filho.
   Deus que te abençoe e te dê luz!


Nenhum comentário:

Postar um comentário